É frequente vermos manifestações do leitor comum
que, tomado por certa aversão pela teoria da literatura,
rejeita a abordagem acadêmica por não levar em conta
o gosto e o prazer da leitura. Não se pode dizer que
esteja de todo equivocado. Mas Hans Ulrich Gumbrecht
é uma voz singular na crÃtica contemporânea. O livro
que o leitor tem em mãos se propõe a entender o
que é a realidade da literatura hoje, colocando em
foco precisamente a experiência do que se passa
entre a literatura e o leitor.
  O que a literatura traz de sua materialidade histórica
e o que faz na vida de quem lê ao intervir em nosso
mundo? Há décadas, Gumbrecht situa sua pesquisa
numa perspectiva ignorada pelas principais correntes
das teorias da literatura – como o desconstrutivismo,
de um lado, e os estudos culturais, de outro – e insiste
na capacidade de a literatura criar efeitos de presença,
não só de sentido. Não é suficiente – insiste Gumbrecht
– entender o que a literatura "diz" e "representa":
como crÃticos, precisamos explicitar a realidade que
a literatura cria independentemente da interpretação
e também do puro prazer estético.
  O estudo do Stimmung – conceito de difÃcil tradução,
recuperado das discussões estéticas dos primórdios
da modernidade – está comprometido com o que o
autor denomina a "ontologia da literatura", isto é, com
"o conjunto de modos fundamentais como os textos
literários – enquanto fatos materiais e mundo de sentido
– se relacionam com as realidades que existem fora deles". No conceito se reconhecem a semântica musical do
processo de afinar um instrumento, a voz e a oralidade da
escrita e também o conjunto de sensações num ambiente,
numa atmosfera que estabelece um continuum entre
a realidade do texto literário e aquela de sua recepção.
  O trabalho crÃtico de Gumbrecht se inscreve de modo
idiossincrático e singular nos estudos contemporâneos
dos afetos. Abre mão da interpretação e da representação
como eixo de leitura e procura explicitar a experiência
histórica na materialidade da própria experiência estética. "O que importa, sim, é descobrir princÃpios ativos em artefatos e entregar-se a eles de modo afetivo e corporal – render-se a eles e apontar em direção a eles."
  O que é fascinante é que essa realidade se manifesta no corpo do leitor, na maneira como a obra nos "toca" como uma atmosfera, um clima ou uma sintonia ou
desarmonia musical, deixando a marca do encontro fÃsico
e material que se efetua de modo objetivo e imediato
na leitura e promove uma mediação histórica concreta
com seu contexto e seu ambiente especÃficos.
  Este livro não só discute a genealogia dos conceitos de atmosfera, ambiência e Stimmung, mas examina, através de uma série de leituras exemplares, momentos históricos da modernidade, do Renascimento até o
século XX. Reconhecemos e frisamos na leitura deste
importante estudo o desafio que Gumbrecht se coloca:
resgatar a "vitalidade e a proximidade estética" que
tendem a desaparecer nos estudos literários atuais.
 Karl Erik Schøllhammer
 Professor do Departamento de Letras, PUC-Rio